Trânsito, indústria da multa
A Indústria da Multa: Mito ou Realidade?
É comum ouvir, tanto na mídia quanto nas conversas cotidianas, que existe uma suposta "indústria da multa" em funcionamento nas cidades brasileiras. Mas será que essa "indústria" realmente existe? E, se existe, o que a sustenta?
Para que qualquer indústria funcione, é preciso que haja um mercado — ou seja, consumidores dispostos (ou obrigados) a consumir seus "produtos". No caso da "indústria da multa", esses "produtos" são as infrações cometidas no trânsito. Vamos refletir sobre alguns pontos que cercam essa polêmica.
A Legislação é Clara
Em primeiro lugar, é importante lembrar que o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) possui 341 artigos, complementados por mais de 300 resoluções do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), além de inúmeras portarias do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN). Toda essa legislação é amplamente divulgada e está disponível ao público — basta procurar. Portanto, não se pode alegar ignorância como desculpa.
A Cultura da Infração
Vivemos em uma sociedade que, infelizmente, ainda cultiva o famoso "jeitinho brasileiro", pautado muitas vezes pela chamada “Lei de Gérson” — aquela que prioriza levar vantagem em tudo. Essa mentalidade contribui diretamente para o desrespeito às leis de trânsito.
A mídia mostra frequentemente que o trânsito brasileiro mata mais que muitas guerras. Você, leitor, nunca presenciou um motorista falando ao celular enquanto dirige? Ou alguém avançando o sinal vermelho? E os pedestres que atravessam longe da faixa ou das passarelas? Ou ainda os ciclistas que insistem em disputar espaço com os veículos em vias rápidas?
Nos bairros mais afastados dos centros urbanos, é comum ver motociclistas sem capacete, muitas vezes carregando crianças no colo ou nos braços da mãe. Esquecem que nesses locais o perigo é ainda maior: animais soltos, crianças brincando, idosos atravessando, buracos nas vias e outros obstáculos tornam o trânsito imprevisível.
Imprudência Tem Consequências
Acidentes graves por imprudência e irresponsabilidade são frequentemente destaque nos noticiários. Recentemente, um trágico acidente vitimou um casal de jovens no Cabanga, no Recife. Há quem afirme que o ocorrido poderia ter sido evitado caso as lombadas eletrônicas estivessem em funcionamento. No entanto, por decisão do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), esses dispositivos são desligados das 22h às 6h — uma medida tomada, segundo consta, para evitar assaltos.
Mas será que o problema está nas lombadas? O argumento usado é que os motoristas passam nelas a velocidades muito baixas (20 a 30 km/h), tornando-se alvos fáceis para criminosos. No entanto, a velocidade regulamentar nas vias urbanas é de 60 km/h (Lei nº 11.334). O problema não é a lombada, mas o condutor que não consegue cumprir a lei — seja por imprudência, seja por descaso.
Se o risco de assalto é real, a pergunta correta deveria ser: por que o MPPE não exige que os órgãos de segurança pública cumpram seu papel, oferecendo proteção adequada a quem transita durante a noite?
A Responsabilidade é de Todos
Outro ponto importante é a tendência de muitos motoristas em querer transferir suas responsabilidades. Alegam que os agentes de trânsito deveriam ter um papel mais educativo do que punitivo. No entanto, para que uma pessoa obtenha sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH), ela passa por um processo de formação no qual aprende todas as regras e sinais de trânsito.
Avançar o sinal, dirigir na contramão, estacionar em local proibido, fazer conversões ou retornos não autorizados, usar o celular ao volante... tudo isso são infrações claramente descritas e sinalizadas nas vias. A função educativa dos agentes de trânsito é importante, sim, mas principalmente em situações extraordinárias — como acidentes, obras ou eventos que alterem a rotina do tráfego.
É comum também ouvir reclamações de que os fiscais "ficam escondidos". Ora, onde exatamente estariam escondidos, se não há postes ou árvores para isso? Se você está dirigindo de acordo com o CTB, não há razão para temer uma autuação.
Cidadania e Convivência
A comparação com o cuidado com o lixo urbano é válida: se cada cidadão fizer sua parte, teremos uma cidade mais limpa. Da mesma forma, se cada motorista respeitar as leis de trânsito, não haverá multas — ou seja, não haverá “mercado” para essa suposta indústria.
Lembre-se: os fiscais não recebem comissão por aplicar multas. Eles apenas cumprem a legislação. E essa legislação, por mais rígida que possa parecer, tem um objetivo maior — preservar vidas.
Se você acredita que foi multado de forma injusta, denuncie. Use os canais legais. Mas não confunda fiscalização com perseguição.
Pense bem: se você não quer ser “cliente” dessa indústria, faça como o trem — ande na linha.
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